Um ano de diário Ilustrado

Diário Ilustrado é um percurso sensível de arteterapia que convida mulheres a pausar, escutar e se expressar pela arte. Entre imagens, palavras, símbolos e silêncios, cada encontro revelou modos de sentir, reconhecer e ressignificar a própria experiência. Criar, aqui, tornou-se um gesto de cuidado, transformação e passagem consciente entre ciclos.

Dani Galeazzo

12/18/20254 min read

Diário Ilustrado: quando a arte nos ensina a escutar, sentir e transformar

O Diário Ilustrado nasceu como um gesto de pausa.
Um convite a interromper o automatismo dos dias para criar um espaço de escuta interna, onde mãos, imagens, palavras e silêncios pudessem organizar aquilo que, muitas vezes, ainda não encontra forma.

Criar um diário ilustrado não é apenas escrever e desenhar.
É construir um território íntimo de diálogo consigo mesma. A cada página, algo se anuncia: sentimentos guardados, pensamentos difusos, desejos esquecidos, emoções que pedem reconhecimento. O gesto artístico permite que essas camadas ganhem corpo, ritmo e sentido.

Quando esse processo acontece em grupo, algo maior se forma.
Mulheres que criam juntas constroem um campo de sustentação simbólica. o que chamamos de egrégora, uma energia se forma e as partilhas sutis, mas profundas. O olhar do outro acolhe, espelha e autoriza. O grupo se torna continente.

Pausas iniciais: olhar o vivido para abrir espaço ao novo

As primeiras vivências foram marcadas pela pausa e pela revisão do ano anterior. Iniciamos no fim de 2024 e começo de 2025.
O convite era olhar para o vivido com presença, reconhecer experiências, afetos e atravessamentos — não para julgar, mas para organizar internamente.

Aquarelas fluidas, colagens e exercícios de respiração conduziram esse processo. O gesto artístico ajudou a transformar memória em imagem, sensação em forma.

Criar foi também escolher: o que permanece, o que pode ser solto, o que pede novo lugar.

Autorretrato: quem sou eu agora

No Autorretrato, o espelho foi apenas o início.
Utilizamos espelho real, caneta fina, pastel oleoso, tinta e colagem para investigar a própria imagem simbólica. O autorretrato não buscava semelhança física, mas expressão interna.

Quem sou eu hoje?
O traço revelou forças, fragilidades, histórias e afetos. A arte permitiu atravessar a imagem superficial e acessar um “eu” que nasce de dentro e pede visibilidade. Olhar para si, aqui, foi um gesto de coragem.

Sonhos e o Sonhar: imagens que organizam o desejo

Em Sonhos e o Sonhar, trabalhamos o sonho como linguagem simbólica e o sonhar como movimento psíquico.
Colagens, recortes precisos e escrita sensível foram utilizados para dar forma às imagens internas. Não se tratava de interpretar sonhos, mas de habitar imagens, permitir que elas falassem.

Ao recortar, colar e reorganizar figuras, cada participante pôde reconhecer desejos, medos e narrativas internas que pediam escuta. O diário tornou-se um espaço de elaboração e acolhimento do que se anuncia no imaginário.

Oráculo Poético: palavra que queima, terra que germina

No Oráculo Poético, todo o encontro foi inspirado na obra de Paulo Leminski, cuja poesia nos conduziu do início ao fim.A palavra foi tratada como matéria viva.

Utilizamos giz queimado, desenhando e escrevendo palavras que literalmente se transformavam pelo fogo — gesto simbólico de atravessar, marcar e deixar rastros. Em seguida, na aquarela de argila, deixamos germinar novos pensamentos, permitindo que a palavra se transformasse em imagem, textura e sentido.

A arte, aqui, não ilustrou a poesia: dialogou com ela. Palavra, gesto e matéria se tornaram território de reflexão e criação.

Lua Cheia: o conto que age devagar

Na vivência da Lua Cheia, fomos guiadas por um conto de Clarissa Pinkola Estés, do livro Mulheres que Correm com os Lobos.
Como na infância, escutamos a história antes de criar. O conto não explicou — ele atuou.

Entre pintura, confecção de carimbos e criação de símbolos pessoais, cada mulher pôde perceber como a narrativa agia internamente, despertando imagens, memórias e insights. Assim como o conto, a arte revelou algo que estava adormecido e pedia espaço para emergir.

Nossos Olhares: como operamos diante do imprevisto

Em Nossos Olhares, a técnica do gellyprint trouxe o inesperado.
A monotipia exige entrega, ajuste e negociação com o acaso. O controle se perde, a imagem responde de outro modo, e o sujeito precisa se reorganizar.

Aqui, a arte não imitou a vida — ela revelou como operamos.
No fazer artístico, surgiram padrões: impulsividade, medo, rigidez, adaptação, criatividade. Ao escrever e ressignificar as imagens, tornou-se possível reconhecer comportamentos que se repetem também nas escolhas cotidianas.

Escuta: sentir antes de compreender

Na vivência Escuta, a música abriu o processo.
Escutar não é apenas ouvir — é permitir que algo nos atravesse.

A partir da escuta musical, passamos ao desenho livre, à escrita e à pintura. A arte ajudou a traduzir sensações que ainda não tinham nome. O grupo sustentou um campo de silêncio atento, onde sentimentos puderam ser expressos sem pressa.

Desconstruções e Construções: desmontar para reorganizar

Em Desconstruções e Construções, trabalhamos com letras, palavras e objetos simbólicos.
O processo começou com a desorganização: fragmentar, misturar, desmontar sentidos prontos. Em seguida, reorganizar, escolher, reconstruir.

A arte permitiu experimentar que criar também é permitir que algo se desfaça. O novo só aparece quando há espaço.

Luz e Sombra: olhar dói, mas transforma

Na vivência Luz e Sombra, o convite foi direto: é preciso olhar para enxergar, mudar e transformar.
Olhar dói, às vezes. Mas é nesse gesto que a transformação acontece.

Trabalhamos com colagens, cartas simbólicas e imagens provocadoras. O processo artístico conduziu ao reconhecimento das partes negadas, ocultas ou rejeitadas. Sentir, emocionar-se, viver — tudo isso fez parte do percurso.

A sombra, quando iluminada, revela potência, qualidade e beleza.

À beira do novo: passagem consciente

O ciclo se encerrou À Beira do Novo.
Dois momentos estruturaram a vivência: primeiro, a fluidez da aquarela, onde o controle se perde e algo maior atua. Depois, a mandala, trazendo centro, organização e intenção. Criar aqui foi assumir responsabilidade pelo que se faz com o que acontece. Planejar o futuro não como idealização, mas como gesto consciente.

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O Diário Ilustrado revelou-se um processo vivo, sensível e circular.
Um dispositivo de cuidado em arteterapia, onde criar é reconhecer, integrar e transformar.

A arte não oferece respostas prontas.
Ela cria espaço para que cada uma encontre as suas.

Seguimos criando.
Seguimos escutando.
Seguimos, juntas, à beira do que ainda pode nascer.

EM 2026, novas vivências, novos formatos..novas historias nos aguardam.